A responsabilidade civil do hospital por erro médico e a impossibilidade de denunciação da lide aos profissionais envolvidos
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 2.160.516-CE, reafirmou a jurisprudência já consolidada no sentido de que não é possível ao hospital denunciar a lide aos médicos responsáveis pelo atendimento ao paciente, mesmo que a demanda trate de erro médico.
A decisão é de extrema relevância, especialmente para os operadores do direito que atuam com responsabilidade civil na área da saúde e com o Direito do Consumidor. A seguir, analisamos os principais fundamentos do julgado, contextualizando-o com outros precedentes sobre o tema.
O caso analisado no REsp 2.160.516-CE
A controvérsia dizia respeito à possibilidade de o hospital, acionado judicialmente por falha na prestação de serviço médico, denunciar a lide aos médicos plantonistas que atenderam a paciente em ocasiões distintas. No total, foram quatro atendimentos com médicos diferentes, e, após insistência junto à direção do hospital, a paciente conseguiu ser internada.
Segundo a petição inicial, a falha na prestação do serviço teria ocorrido de forma generalizada, envolvendo médicos, enfermagem e até a direção hospitalar. A própria ouvidoria do hospital confirmou, por e-mail, que foram identificadas falhas cometidas tanto pelo corpo médico quanto pelo corpo de enfermagem, os quais teriam sido advertidos e punidos administrativamente.
Apesar de a exordial mencionar os nomes dos médicos envolvidos, o STJ entendeu que a ação tinha por objeto a responsabilidade do hospital enquanto fornecedor de serviços de saúde, e que a natureza objetiva da responsabilidade civil na relação de consumo não poderia ser afastada.
Dessa forma, a Terceira Turma, por maioria, decidiu que não cabe a denunciação da lide aos médicos, fundamentando-se nos arts. 12, 14 e 88 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O voto condutor, de lavra do Ministro Humberto Martins, destacou que:
“A minúcia na narração dos fatos serve justamente para demonstrar que, independentemente do profissional específico que o hospital escolheu para prestar o serviço, houve falha nos protocolos de atendimento. Portanto, houve falha na prestação do serviço, atraindo a aplicação da teoria do risco da atividade.”
A teoria do risco da atividade, prevista no art. 14 do CDC, impõe ao fornecedor a responsabilidade por defeitos na prestação de serviços, independentemente da demonstração de culpa. Sendo assim, questões complexas sobre a eventual culpa subjetiva dos médicos devem ser objeto de ação própria, e não de denunciação da lide.
Jurisprudência consolidada sobre o tema
A decisão reforça um entendimento já estabelecido pelo STJ em diversos precedentes, que tratam da responsabilidade objetiva dos hospitais e da vedação da denunciação da lide em tais hipóteses:
1. AgInt no AgInt no REsp 1.718.427-RS (2023)
A Quarta Turma reiterou que o hospital responde objetivamente por falhas na prestação de serviços relacionados à sua atividade, como a ausência de sala de cirurgia, mesmo que não haja culpa direta dos profissionais envolvidos:
“O estabelecimento hospitalar não foi responsabilizado por ato de terceiro, mas sim por sua própria culpa, pois configurado o nexo de causalidade entre sua conduta – má prestação de serviço – e o dano causado.”
2. REsp 1.145.728-MG (2011)
O STJ reconheceu a responsabilidade objetiva da sociedade empresária hospitalar, com base no art. 14 do CDC, em razão de falhas estruturais e omissões que resultaram em gravíssimas sequelas à recém-nascida.
3. REsp 696.284-RJ (2009)
O Tribunal afirmou que o hospital é responsável, de forma objetiva, por erro de diagnóstico cometido por médico integrante de seu corpo clínico, e que a responsabilidade do médico é subjetiva, com possibilidade de inversão do ônus da prova nos termos do CDC.
4. REsp 125.669-SP (2001)
Neste precedente, ficou assentado que não cabe denunciação da lide aos médicos, mesmo que tenham atuado diretamente no procedimento questionado, quando o hospital é acionado com base na responsabilidade objetiva.
5. REsp 986.648-PR (2011)
A clínica médica foi responsabilizada objetivamente por sucessivos erros e omissões de seus médicos, com base na interpretação de que o art. 14 do CDC impõe ao fornecedor o dever de provar que o serviço foi prestado de forma adequada, salvo nos casos de responsabilidade de profissionais liberais.
Considerações finais
A jurisprudência do STJ é clara ao afirmar que, nas relações de consumo envolvendo serviços médicos prestados por hospitais, a responsabilidade da instituição é objetiva, sendo vedada a denunciação da lide aos médicos, ainda que estes tenham atuado diretamente nos atendimentos.
A discussão sobre eventual culpa dos profissionais pode ser objeto de ação regressiva, mas não deve ser discutida no mesmo processo em que se busca a reparação do dano pelo consumidor. Trata-se de uma proteção à efetividade da tutela do consumidor, que não pode ser prejudicado por debates complexos e acessórios entre os fornecedores de serviço.
A decisão do REsp 2.160.516-CE, de relatoria para acórdão do Ministro Humberto Martins, julgado em 1º/4/2025, reforça a centralidade da teoria do risco da atividade no sistema de responsabilidade civil do CDC e a importância de resguardar a agilidade processual em demandas consumeristas.
REsp 2.160.516-CE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, por maioria, julgado em 1º/4/2025.
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